sexta-feira, 5 de junho de 2009

A vida é bela

É sabido que a vilania humana supera toda e qualquer expectativa, bem como sua capacidade de concretizar o irrealizável. Diante desse paradoxo, nos vemos entre o horror e a beleza, não de maneira maniqueísta. Na verdade, observamos o antagonismo dialético entre as forças. Ambas nascem da mesma origem: uns apostam em razão, em seu conceito mais kanntiano, outros em razões do coração, pascalinamente falando.
Conceitos e discussões filosóficas não cabem quando nos deparamos com o bem que nos causa o belo. Mesmo com As flores do mal de Baudelaire, o que desejamos é o bem do belo, o bem pelo belo...
Isso posto, me deparo com a tragédia A vida é bela. Não me refiro ao modelo grego de fazer dramas. Da mesma forma não lanço mão de um conceito moderno. Me arrisco e me exponho, por pensar tragédia como a elevação do ser humano; a capacidade catártica de formação pela emoção. Não o choro vazio que externamos, mas o choro profundo que sequer sai, pois fica na garganta e faz com que percebamos o quão pequeno é o humano e grande é a arte.
Uma vez mais nos encontramos em estado paradoxal. Para tanto basta pensarmos no par antitético grande/pequeno. O ser pequeno produz o ser grande. Diante de toda complexidade apresentada pelos humanos, essa talvez seja a maior e mais relevante. Como o pathos pode operar de maneira tão diversificada e manifestar-se de modo a nos deixar boquiabertos?
Teses mil tentam dar conta dessa capacidade humana criadora, fervilhante e intuitiva. Ora valoriza-se a técnica ora a genialidade ou ainda as manifestações além do consciente. Todas essas são tentativas de objetivação da subjetividade, que impõem à arte (poiesis) um caráter cientificista que ela não tem.
Voltemos ao filme de Roberto Beninni. Tendo por enredo uma temática desgastada - ¬¬¬¬a Segunda Guerra Mundial - o filme tenderia a cair no esquecimento, assim como outras produções acerca do mesmo fato histórico, dentre as quais lembramos Pearl Harbor, que t¬ambém poderia se chamar Muito dinheiro por nada, uma paródia a outro longa americano.
No entanto o filme italiano não comete os erros vistos em superproduções. Ao invés de tentar remontar as imagens horrendas do maior conflito bélico do qual temos notícia, os diretores recriaram realidade a partir daquela manifestação de real. Procuraram não a fotografia anacrônica do momento, pelo contrário, fizeram brotar vida de um dos momentos mais desprezíveis da humanidade. Certamente ignoramos, aqui, o caráter positivista dado pelos futuristas à guerra. A higiene do mundo pensada por Marinetti e sua turma justificou as atrocidades nazi-fascistas. Digo isso apenas para não passar em branco, sem um exemplo plausível.
Este texto nasce após eu ter assistido o filme pela quinta vez. Os realistas cobrariam do autor a verossimilhança necessária para que o filme fosse aceito como denúncia ou uma obra engajada, como acontece na maioria dos filmes sobre o assunto. O normal é idealizar os aliados, culpar os alemães e italianos, bem como vitimizar os judeus e as minorias excluídas. A vida é bela anda na contramão daquilo que é consensual, mesmo havendo um quê de senso comum, como a entrada do Tanque de Guerra americano em uma de suas cenas finais.
Mais do que mostrar a guerra pelo olhar de quem ganhou, os diretores multiperspectivam o conflito, deixando claras suas conseqüências. Contudo reinventam a historiografia, ao apresentarem o episódio mediante o olhar de um pai louco por seu filho, e, num plano lúdico, pelo olhar perdido, sem horizonte, de uma criança indefesa.

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