quinta-feira, 4 de junho de 2009

sorriso amargo

Este blog, apontadonariz.blogspot.com, é sem dúvida uma válvula de escape. Escrever é fugir. Uma tentativa, sempre frustrada e frustrante, de traduzir o intraduzível. À moda de Clarice: um drama. Algumas questões ainda me incomodam e de modo catártico me emocionam, evitando que o que pulsa em mim se torne pedra ou seco. Impossível não lembrar de Graciliano e suas personagens híbridas, bicho-humanas. Hoje acordei meio Baleia; necessitando caçar preás e dividi-las com quem não tem nem calango para dar mate à fome. Lá vem mais uma referência. A união Vinicius-Chico-Garoto resultou em “Gente humilde”, porém não se deve apenas chorar. O envolvimento estético suplantou o ético. Talvez seja o humor; quero mais que isso. Talvez seja o ódio: de mim e de minhas roupas (Drummond) e de minha classe e de meu mundo. Hoje vi a fome, vi a dor, vi sofrimentos até então desconhecidos. E tudo que vi, ficará cá dentro, remoendo, destroçando todo vestígio de ser pensante que há em mim, pois jamais darei conta do visto; nunca conseguirei transmitir o que vi. Queria fazê-lo, mesmo de maneira romântica, para transportar as dores alheias, que estão em mim, para os que estão fora de mim: impossível. Morrerei com isso e isso não morrerá. É muito simples me abancar, lançar mão de meu computador e tecer meia-dúzia de palavras vãs. Mas aquela dor... aquela fome... são complexas... nelas não há simplicidade... a um cérebro se engana com palavras... um estômago... a um estômago não é tão fácil iludir... o suco gástrico não deixa... queima... arde... dói... faz barulho... a uma boca inchada por dentes cariados e inflamados... não se engana com água ou sono... “inútil dormir, a dor não passa”... a dor se resolve com amoxicilina, mas custa... não importa se barato ou caro... o fato de custar, em si, já custa... há uma dor maior: a pobreza... que de abstrata tem apenas a classificação gramatical... Remontado a um texto, da época de secundarista, cuja autora é, salvo o engano, Marilita Pozzoli, posso dizer... se dor, fome, miséria, penúria, angústia são substantivos abstratos... onde pisei e o que vi não possuem classificação gramatical... pois tudo era deveras concreto... sim... é necessário fazer uma outra reforma seja na gramática seja no humano...

3 comentários:

  1. "Morrerei com isso e isso não morrerá"
    o texto inteiro mecheu muito com o meu pensamento, a minha visão do humano. Essa frase marcou-me mais que todo o resto( mas todo o resto marcou-me também, de modo singular).
    Sempre acreditei na bondade que cada um carrega dentro de si. Não consigo crer em um ser que pensa e sente sem bondade,o mínimo que seja. Talvez seja um erro, talvez não, mas a sua visão me acrescentou uns conceitos novos. O SER as vzs se porta como bicho, e mostra como não ser...realmente é complexo. Vou deixar essa complexidade pra você...rsrsr
    Mandou muito bem aqui!

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  2. É o tipo de texto que me deixa sem ação. Mas a confusão não está no texto e sim na minha cabeça. É uma mistura de "vontade de mudar o mundo" com uma certa frustração... Confesso que é tocante.
    Admiro muito essa sua sensibilidade de enxergar sempre além do que se vê na vitrine. É uma lição que eu vou guardar pra mim sempre.

    Parabéns pelo texto!

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  3. Fiquei surpresa de perceber o quanto é marcante este texto, adorei e com certeza vou usar como modo de olhar pra mim mesma

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