sexta-feira, 26 de junho de 2009

o que vi e ouvi

Quis fazer um bello samba
Do pinheiro fiz viola
Se não vi neve, tenho luz
No peito uma cruz
Como enfeite pérola negra
Poema é como viola
Toda madeira é palavra
Se não for carvalho, isola

Pensei numa flor, escolhi uma rosa
Se não rima, vale uma prosa
É sol. Se chove, sombrinha.
Se não passa, lona
Pega o pandeiro, o tantan, cavaquinho...
Sem samba pode até pagodinho
Importa alegrar a vila
Fazer bater coração
E se faltar partido alto
É só tirar da cartola um Lara laia la...

terça-feira, 9 de junho de 2009

amar é a maré

Quero cantar o amor, sem sacrifícios ou martírios. O mar faz parte, pois o amor é de encantar. Calypso. Ou amarra-se ou morre-se. Não há dura fortaleza que resista ao canto. Como não sou Ulisses, quedo. Me arrebento, me estrago, mas sem vergonha... me abro sem pudor, terror ou temor. Sim... é o amor, que assola sendo ventania ou marola. Faz renascer, faz despertar. Se não quero agruras, desprezo venturas. O amor e ponto. Indizível, impronunciável, indomável, contudo amável. Experimentar o amor sem fazer dele experiência, rotina... apenas memória, retina... também não quero anjos... nem mulheres pálidas, alcoviteiras... apenas amor... e o que é o amor? É o samba... grande... amor... mentira! Acho melhor não dizer mais nada, pois “se perguntarem o que é o amor pra mim, não sei responder, não sei explicar”, mas sei que tenho... e ele é poesia... é labirinto, não instinto... vinho tinto...

sexta-feira, 5 de junho de 2009

A vida é bela

É sabido que a vilania humana supera toda e qualquer expectativa, bem como sua capacidade de concretizar o irrealizável. Diante desse paradoxo, nos vemos entre o horror e a beleza, não de maneira maniqueísta. Na verdade, observamos o antagonismo dialético entre as forças. Ambas nascem da mesma origem: uns apostam em razão, em seu conceito mais kanntiano, outros em razões do coração, pascalinamente falando.
Conceitos e discussões filosóficas não cabem quando nos deparamos com o bem que nos causa o belo. Mesmo com As flores do mal de Baudelaire, o que desejamos é o bem do belo, o bem pelo belo...
Isso posto, me deparo com a tragédia A vida é bela. Não me refiro ao modelo grego de fazer dramas. Da mesma forma não lanço mão de um conceito moderno. Me arrisco e me exponho, por pensar tragédia como a elevação do ser humano; a capacidade catártica de formação pela emoção. Não o choro vazio que externamos, mas o choro profundo que sequer sai, pois fica na garganta e faz com que percebamos o quão pequeno é o humano e grande é a arte.
Uma vez mais nos encontramos em estado paradoxal. Para tanto basta pensarmos no par antitético grande/pequeno. O ser pequeno produz o ser grande. Diante de toda complexidade apresentada pelos humanos, essa talvez seja a maior e mais relevante. Como o pathos pode operar de maneira tão diversificada e manifestar-se de modo a nos deixar boquiabertos?
Teses mil tentam dar conta dessa capacidade humana criadora, fervilhante e intuitiva. Ora valoriza-se a técnica ora a genialidade ou ainda as manifestações além do consciente. Todas essas são tentativas de objetivação da subjetividade, que impõem à arte (poiesis) um caráter cientificista que ela não tem.
Voltemos ao filme de Roberto Beninni. Tendo por enredo uma temática desgastada - ¬¬¬¬a Segunda Guerra Mundial - o filme tenderia a cair no esquecimento, assim como outras produções acerca do mesmo fato histórico, dentre as quais lembramos Pearl Harbor, que t¬ambém poderia se chamar Muito dinheiro por nada, uma paródia a outro longa americano.
No entanto o filme italiano não comete os erros vistos em superproduções. Ao invés de tentar remontar as imagens horrendas do maior conflito bélico do qual temos notícia, os diretores recriaram realidade a partir daquela manifestação de real. Procuraram não a fotografia anacrônica do momento, pelo contrário, fizeram brotar vida de um dos momentos mais desprezíveis da humanidade. Certamente ignoramos, aqui, o caráter positivista dado pelos futuristas à guerra. A higiene do mundo pensada por Marinetti e sua turma justificou as atrocidades nazi-fascistas. Digo isso apenas para não passar em branco, sem um exemplo plausível.
Este texto nasce após eu ter assistido o filme pela quinta vez. Os realistas cobrariam do autor a verossimilhança necessária para que o filme fosse aceito como denúncia ou uma obra engajada, como acontece na maioria dos filmes sobre o assunto. O normal é idealizar os aliados, culpar os alemães e italianos, bem como vitimizar os judeus e as minorias excluídas. A vida é bela anda na contramão daquilo que é consensual, mesmo havendo um quê de senso comum, como a entrada do Tanque de Guerra americano em uma de suas cenas finais.
Mais do que mostrar a guerra pelo olhar de quem ganhou, os diretores multiperspectivam o conflito, deixando claras suas conseqüências. Contudo reinventam a historiografia, ao apresentarem o episódio mediante o olhar de um pai louco por seu filho, e, num plano lúdico, pelo olhar perdido, sem horizonte, de uma criança indefesa.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

sorriso amargo

Este blog, apontadonariz.blogspot.com, é sem dúvida uma válvula de escape. Escrever é fugir. Uma tentativa, sempre frustrada e frustrante, de traduzir o intraduzível. À moda de Clarice: um drama. Algumas questões ainda me incomodam e de modo catártico me emocionam, evitando que o que pulsa em mim se torne pedra ou seco. Impossível não lembrar de Graciliano e suas personagens híbridas, bicho-humanas. Hoje acordei meio Baleia; necessitando caçar preás e dividi-las com quem não tem nem calango para dar mate à fome. Lá vem mais uma referência. A união Vinicius-Chico-Garoto resultou em “Gente humilde”, porém não se deve apenas chorar. O envolvimento estético suplantou o ético. Talvez seja o humor; quero mais que isso. Talvez seja o ódio: de mim e de minhas roupas (Drummond) e de minha classe e de meu mundo. Hoje vi a fome, vi a dor, vi sofrimentos até então desconhecidos. E tudo que vi, ficará cá dentro, remoendo, destroçando todo vestígio de ser pensante que há em mim, pois jamais darei conta do visto; nunca conseguirei transmitir o que vi. Queria fazê-lo, mesmo de maneira romântica, para transportar as dores alheias, que estão em mim, para os que estão fora de mim: impossível. Morrerei com isso e isso não morrerá. É muito simples me abancar, lançar mão de meu computador e tecer meia-dúzia de palavras vãs. Mas aquela dor... aquela fome... são complexas... nelas não há simplicidade... a um cérebro se engana com palavras... um estômago... a um estômago não é tão fácil iludir... o suco gástrico não deixa... queima... arde... dói... faz barulho... a uma boca inchada por dentes cariados e inflamados... não se engana com água ou sono... “inútil dormir, a dor não passa”... a dor se resolve com amoxicilina, mas custa... não importa se barato ou caro... o fato de custar, em si, já custa... há uma dor maior: a pobreza... que de abstrata tem apenas a classificação gramatical... Remontado a um texto, da época de secundarista, cuja autora é, salvo o engano, Marilita Pozzoli, posso dizer... se dor, fome, miséria, penúria, angústia são substantivos abstratos... onde pisei e o que vi não possuem classificação gramatical... pois tudo era deveras concreto... sim... é necessário fazer uma outra reforma seja na gramática seja no humano...