sábado, 28 de fevereiro de 2009

sem fim, fim

somos a falta que fez
sem preceitos: dor
irremediável partida dos sonhos
tudo finda-se pelo impacto
botão em flor

a falta busca motivo
escondido verso a mente
confusa que canta a vida difusa
todos são o visto e parecido
a loucura é o encontro da procura
tenazmente voou
fim, dias.

Caroline

indagaram-me
sobre o amor, existência,
tamanho e adjacentes.
disse: - o amor não é.
se sente
se há ou não,
descubra o teu
o meu tem nome
tamanho?
perto de 1,60 m

olhos baços

do mar, sal; do pescador, cansaço
apenas canção oblivia saudade; ela ri.
chega um tempo, maresia vira gozo
casas, asas; poesia é toca e toca
zoa o vento que soa, e comigo mexe
rimas, é som bom; tudo na memória há
sonho o amor: infinito azul ondulado

casca

Nos últimos dias, cogito muito acerca da linguagem e suas implicações. Isso se deve a um questionar constante. Sem dúvida, um problema de identidade. Tanto para quê... graduação... sentimentalidades... construções afetivas... formação profissional... reconhecimento... de que serve tudo isso... por que hei de fazer... se o nada é a referência última. Escrever alivia, contudo não transforma a tensão em algo bom. Como cogito, especulo. Percebo no ar um clima estranho. Muitos são os dilemas... falta... temos tudo a apenas um toque dos dedos, e não conseguimos dar as mãos. O que falta? O sonho liga a realidade aos nossos desejos mais secretos... talvez falte sonho, porque a realidade não nos contempla... poderia fazer mil e uma indagações... mas fico com uma: Como lidar com a linguagem...? Tudo é o que dizemos ser... Tudo se dá pelo nome e conceito que atribuímos... Fácil pensar assim e me livrar dos sentimentos... a literatura é um meio de ultrapassar a realidade, por conceder a criação de outros mundos pelo universo ficcional... os sentimentos marcam por causarem o desequilíbrio diante da possibilidade da desmesura passional. Creio que todos somos paixões... absurdas, ocultas, desejantes, figurantes, contudo paixões. Escrever é me expor... então me exponho... mas rio, pois me permito ludibriar. Jamais se saberá se o que escrevo é verdade ou mera manifestação da linguagem... Não sou o que sou... sou o que digo que sou. Tantas palavras, pouca explicação... boa é a ilusão de que o mundo se resume a esquadros... janelas, portas ou televisões... Estar iludido é o estado a ser conquistado... Me faço pelo texto que faço... Aqui, como Wilde, renego questões éticas, pois o que me importa é a forma, a beleza, o rendimento estético... Mas se pensamos concretamente, vemos que forma já é conteúdo. Pois na forma se concentra o luxo, no conteúdo, o lixo. Não sou triste, pois isso já é um conceito... da mesma forma não sou alegre... como não direi que sou poeta, uma vez que esse é o maior dos conceitos, pois inventa todos os outros... posso dizer que sou menor, porém abraço o mundo e as coisas... difícil é abraçar pessoas... elas não entendem... ninguém entende... então ficamos num plano superficial dos beijos e abraços artificiais... não nos entregamos à imaginação, tampouco à especulação... não ouvimos o silêncio... não olhamos para fora... nosso ego é infinitamente maior do que nós... Uns desejam ser cavaleiros da verdade, outros de Deus, outros da ciência... mas o que é verdade, Deus ou ciência? Meros conceitos inventados por nós e linguagem...

nós

Oi, Meu nome é Anderson, 25 anos. Me vejo forçado a iniciar esse texto com essa intro-apresentação. Não tenho pretensões. Não penso ou escrevo à moda de Montaigne. Não quero fazer um auto-retrato para entender o todo pela parte. Na verdade, o inverso.

Depuração

Quantas são as pernas do mundo? Em quantas esbarro, mas não toco? Não toco, porque me entoco. Toca é imanente à minha espécie. Tatu? Não; homem? Não; homem-tatu. Trancafiado na prisão que sou, pago pelo crime de não conseguir “manter contato na praça de convites”. Se me liberto do labirinto que represento, me deparo com o labirinto que faz o mundo. O mundo e as coisas são o desfazer-se. O homem, em virtude disso, é naturalmente composto por contradições complementares: santo-pecador, negro-branco, óleo-água, ser e não-ser. Se é, não reconhece a potencialidade e essência do outro. Na busca esmerada da perfeição, se esquece de vislumbrar os interesses e gozos alheios que também são seus. Sendo assim, a introspecção instaurada pelo isolamento inevitável pauta ações, reações, bem como o estado de inércia. Poderia dizer vida é texto. O que é a vida senão um imenso tecido. Quem tece, dá os pontos ou o rasga? Quem proporciona o encantamento das ilusões perdidas e das desilusões achadas?... vazio, crise existencial, ética. Contradições perpassam a existência: vida-morte; tudo se dá pela necessidade de enxergar sempre algo a mais do que o visto. Segundo Pascal, por seu caráter dubitativo, o ser humano tende à monstruosidade. Descrente de si e dos outros, isola-se. Não resolve e se afoga em divagações. Contudo o filósofo francês crê na redenção, mediante o encontro com Deus. Não tenho esse problema. Minhas inquietudes não desembocam em obviedades, pois sei que “a estrada é muito cumprida/ o caminho é sem saída/ curvas enganam o olhar”. A possibilidade de não afetar as pessoas configura uma preocupação constante. Ter a desconfiança aguçada inspira um comportamento sempre “pé atrás”. Assim, perdemos a sinceridade do sorriso, por pensarmos nos pensamentos que se escondem nessa sublime expressão. Me vem à memória uma canção portuguesa acerca dos “laços”. Talvez todo o enigma esteja na fraqueza dos “nós”. É complexo descobrir-se avesso a tudo, por ser o avesso de si mesmo. Mera rebeldia? Não; leitura. O mundo se oferece como aberto, os seres, humanamente fechados. Volto ao sorriso que, se existe alma, é uma porta aberta para a sensibilidade e sensibilização. Remontar-me, desfazer-me, despejar-me... enfim, me expor. É difícil ser sem deixar de ser, ou deixar de ser sendo. Niilismo é só uma maneira de querer esperança. Porém querer é um verbo pequeno por demais. Viver é mais que texto. Trazendo Calderon à baila, “a vida é sonho”. Sonho é linguagem que ultrapassa realidade. E é no inconsciente que realizamos os desejos mais secretos, as vontades mais sórdidas ou as inquietudes mais sublimes.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

casa

Do décimo primeiro andar da Uerj observo o movimento. Contudo me atrapalha a leve brisa no rosto. Se fosse um tufão, talvez revirasse a vida. Como é uma simples viração, apenas faz cócegas no âmago e causa reflexão. Avisto prédios, pessoas e favelas (todas iguais). De longe, do alto de minha indiferença, não notaria se os barracos estivessem de ponta-cabeça. De perto, não me aproximo. Proximidade afeta. É dolorido explicar o asco que produz o concreto. Reproduzo o que produzo. Olho para o lado da Tijuca. Tudo deveria ser simples, mas não é, pois não é nada; não há nada, se quer houve. Todavia, prédios variados e enormes, porém os mesmos. A diferença entre eles consiste nas pessoas que não vejo. São apenas moradores. Digo Tijuca (acredito que é para lá que olho), mas poderia ser Mangueira. Não; Mangueira jamais. Lá brota luz que reflete o zinco. Sobram sangue e suor. No concreto falta vida, sobram sangue, suor e esforço... outras coisas. “As coisas”. Lá vai um táxi, outro táxi, ainda outro, mais... trinta e oito táxis em setenta e nove segundos... Exatidão questionável, não o sentimento... Se é mentira se é verdade... fica a cargo de quem? E tudo me provoca uma vontade única: descer, tomar meu trem e voltar para “algum lugar”.

pertences

armários fechados, não há chave
sentimentos dentro, pensamentos fora
a luz perdeu-se
no escuro de teus olhos,
cabelos lábios desencantados,
sem canto o encanto se vai pelos cantos da rua
abandonada, só, destituída, lua
assim nos queremos afastados
sem viagem, chão (mofo)
morrer estando morto em ciclo desaconchegados
viver o que se esvai no infinito
de palavras e finito de dois amores

o jardim

Imenso esforço para remontar aquilo que fomos. A frouxidão dos abraços intriga. O desencontro desarma a esperança de ver-te. Vou ao jardim... frio... inverno glacial, no entanto o coração teima em bater. No jardim, chafariz... seco. Sem temores mais agudos, lanço o olhar para o horizonte. Não vai longe, uma vez que a visão é barrada por uma grade revestida por um plástico com uma textura quase indefinível. Folhas no chão, galhos aparentemente mortos. Que seria vida em meio a um clima e sentimento abafados? Volto ao jardim, cuido de uma flor que, à maneira de Drummond, é apenas flor. No jogo incessante da linguagem, é flor sem classificações ou qualificações, sem nome em latim, sem adjetivo palpável. Diferente da flor itabirana, não rompe o asfalto, como não rechaça ou ameniza a náusea. Ilusão da consciência desiludida ou desilusão da consciência iludida. Poderia ser uma borboleta. É uma flor. Poderia ser... mas é apenas aquilo que não pode deixar de ser: essência, eflorescência. E por que falar de flor? Dói. Viver, ciclo. Schopenhauer nos trancafiou em um labirinto sem paredes ao desfazer a idéia egocêntrica de morte. Tudo permanece, pois o fim de um não implica a finitude do todo. Aprisionados na dor que é viver, e não podendo findar o sofrimento, canibalizamos nossas expressões, e por que não o texto do filósofo alemão. Se um resiste é possível que façamos dele espécie. Talvez regar a flor, fazer jardim de um só broto. Não se deve mensurar ou nomear o porquê das flores, da água, do choro... sem medo. Esse ficou naquele “congresso internacional”. Pueril? Pois sou. Esqueço que crescemos e abandonamos a pretensa fantasia de ser feliz. Botão é flor.

aporia

Começo a escrever e me permito não ter que chegar a lugar algum... gosto de metáforas... por vezes, as desprezo pelo simples fato de não darem conta do conto. Sinto falta de nada... não há carência a ser preenchida... dizem que as pessoas seguram sua onda bebendo, dançando, se drogando, adorando a Deus e, se é possível, escrevendo... não sou magnânimo... sem vazio... talvez, outros... mas são vazios, portanto indizíveis... também não tenho medos... inverto, subverto... verbos de difícil conjugação, quiçá aplicação... outros quinhentos... lá vai um homem pela rua... sem desejos, perambula. Não vê a noite, não por ser escura... tem olho de gato. Tudo é demais.

Fecha-se o ciclo. O mundo cai. A vida vai. O mundo é só o mundo. Te vejo. Incômodo, pois é tempo de não ver. Ouço a canção que não deveria tocar, não por que seja “a canção que tocou na hora errada”... era pra ser canção nenhuma...

Percebo que todos os meus dilemas são peças, mínimos e ridículos problemas de alguém que inculcou a idéia de pensamento. Negar... ignorar... ser feliz... igualar-me... iludir-me... ignorar-me... para que serve servir... filosofar... versar... tantos são os casos... porém não deixamos ser acaso... controlamos o destino... como se fosse possível dar conta daquilo que não somos... nos perdemos na incessante busca do encontrar... beira a patetice ser pateta... não há escolhas... olho para o lado e vejo aquele homem que vai pela rua sem desejos... desejo ser o perambulante... mas já aí, percebo a tristeza de ser o que dizem que sou... no desejo de ser sem desejo há uma implicação de que não dou conta... melhor ser sem saber que sou... pretensamente me olho... vejo mãos grandes... corpo esquálido... dor de cabeça... (deve ser leitura)... acabo de ver a felicidade... velhos dançando... corpos cansados que dançam e descansam descalços... o meu já vergado... (não beiro a velhice) sentado, pensa que pensa enquanto os poros, passagem... passagem...

Fazer sorrir

e lá vou eu, fazendo de mim
tudo aquilo que desejas ser
me engano no desengano de um "nós dois"
porém o que há é o nada e o "não mais"
quase uníssono
ouço a dor e os pássaros que, por serem o que são,
cantam aquilo que calo, e se canto
é porque algum beija-flor já cantou:

flor
no cabelo,
a beleza
prazer é ver
não sentir
abstrair
sonhar é
ruim não
difícil
solidão.

O racismo explicado aos meus filhos, de Nei Lopes.

Como este é meu primeiro escrito destinado a fazer parte do Sararau, seguirei o conselho de Dona Ivone Lara e vou “pisar neste chão devagarinho”. Este texto não é especificamente acerca da literatura africana, contudo creio acertar a veia desse movimento acadêmico-artístico-internético.
Trataremos aqui de O racismo explicado aos meus filhos, de Nei Lopes. Isso posto, contemplamos o feliz neologismo “sararau”, pois trazemos à baila um compositor e escritor de mão cheia, que faz jus à palavra sarau; e, por ser um estudioso dos insumos culturais oriundos do continente africano, nos deixa à vontade para dispormos do vocábulo “sarará”, segundo a música, imanente a todo brasileiro de sangue crioulo.
É sabido que toda análise resulta em dívidas para com o analisado. Conosco não será diferente, porém nosso intuito é iluminar um consistente trabalho de investigação de nossas raízes e problemas. Por meio de um romance-ensaio, Nei Lopes faz um levantamento acerca da origem das diversas formas de manifestação racista, focando principalmente aquela que vitimiza o negro.
O núcleo do livro é a família do historiador Paulão (negro) e da Doutora Lia (judia). O casal tem dois filhos, brancos como a mãe, apresentando traços étnicos do pai, sendo assim sararás. O enredo se concentra em diálogos travados entre os membros dessa família, nascidos das experiências de cada um.
As conversas são comandadas quase sempre pelo professor Paulão que faz verdadeiras palestras, enriquecendo o conteúdo do texto. No entanto, se pensarmos a construção de um romance, constataremos que as conversas tateiam o inverossímil, quando consideramos os temas abordados e o modo como são travados tais diálogos.
Se encaramos o livro como um ensaio acerca da existência humana e uma de suas mais delicadas questões: o racismo, perceberemos um texto refinado e com uma preocupação ética que deveria fazer parte não só das palestras de Paulão, mas de toda e qualquer assembléia, seja futebolística, política ou sambista.
O livro é composto por 16 capítulos que abordam desde o criticismo ao “racismo cientifico” do século XIX até uma das polêmicas do século XXI: “a questão das cotas”. Nei Lopes faz crítica e literatura em um projeto eticamente eficaz e eficiente, com algumas dívidas estéticas. O racismo explicado aos meus filhos pode apresentar problemas estéticos, contudo presta um serviço incomensurável ao povo brasileiro. Pela composição pluriétnica da família de Paulão, podemos percebê-la como um retrato do Brasil. Sendo assim, o professor explica a todos nós, brasileiros (seus filhos), a dor que é o racismo. Por meio da investigação das origens das questões étnicas, Nei Lopes nos oferece um significativo cabedal de informações sobre nossa gente, de modo genuíno e verdadeiro.
Este texto foi publicado no blog: www.sararau.com.br